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Caminhada na natureza
paisagem urbana

 AVERSÃO E AMIZADE

          A pessoa que mais nos irrita é a que mais se nos assemelha, porque funciona como um espelho. Reflete tudo o que somos e o que, inconscientemente, queremos eliminar da nossa vida. Mas, o objeto da nossa aversão nunca nos é colocado, por acaso, a nossa frente. 

          Quando gostamos de alguém, sentimos que a outra pessoa nos completa - que tem tudo de bom para nos oferecer - encaixamo-nos perfeitamente a ela como se fôssemos peças de um mesmo quebra-cabeça. E, é aí que nos enganamos, achando que somos iguais. Mas, na verdade, somos bem diferentes, porque o que falta lá, excede aqui e o que excede nela, falta em nós. Por isso, temos a satisfação de ficarmos juntos. Estas pessoas nos fazem bem. Massageiam o nosso ego o tempo todo, porém não nos tornam melhores do que somos.  No entanto, as pessoas que detestamos, pelo fato de terem muitos aspectos da personalidade semelhantes aos nossos, parecem nos fazer mal, causando-nos desconforto - até o simples olhar delas nos incomoda; a presença delas é um estorvo - parecem não ter nada para nos acrescentar à vida e não têm nada mesmo além do que já temos. Elas apenas refletem o que somos - são elas que se parecem conosco - o que tem do outro lado também tem aqui deste lado. E isso nos irrita. É o mesmo que nos observar no espelho pela manhã: os cabelos despenteados, os olhos inchados - isso nos incomoda. Contudo, é assim que somos.  Os nossos "inimigos" nos fazem ver como realmente somos e não como gostaríamos de ser. Passamos a odiá-los, entretanto, estamos sentindo repulsa pelos aspectos negativos que temos. Quando damos as costas para essas pessoas, estamos perdendo uma valiosa oportunidade de crescimento. Se os encontros são esporádicos é o mesmo que observarmos a nossa imagem refletida nas vitrines por onde passamos, muitas vezes sem prestarmos a devida atenção. Estamos apenas dando uma olhadela no que não gostamos.  O que temos em nosso coração nos está sendo mostrado como um trailer de filme.

          Se tivermos que conviver com alguém de quem não gostamos, não só precisaremos saber o que precisa ser corrigido em nós mas também deveremos aprender a nos corrigir. Somente essa pessoa poderá nos ensinar - ela nos mostrará como realmente somos. Não aprenderemos a lição se nos afastarmos dela.  Não será com agressões que a eliminaremos da nossa mente. Ela até poderá ir embora para muito longe, deixando assim de cumprir o seu papel de nos ensinar  a aprender conosco. Porque essa lição é mútua. Não somos apenas nós que devemos aprender, mas ela também, porque nós temos algo para ensinar-lhe. Quando temos conexões cármicas, o carma só se elimina ficando junto. Quanto maior for a antipatia, mais coisas temos a aprender com quem antipatizamos.

          Poderemos ter a certeza de que estamos aprendendo a nos corrigir, quando começarmos a ver que o outro não é tão ruim quanto os nossos sentidos nos faziam perceber anteriormente, quando perdermos a vontade de falar mal dele, quando não desejarmos mais vê-lo pelas costas. O importante é ver que esse alguém que detestamos é igual a nós, por mais que não identifiquemos de imediato as semelhanças e que, como nós, também tem direito de seguir em frente, aprendendo sempre mais com os prazeres e os dissabores que cada nova existência tem para nos apresentar.

         Elisabeth Souza Ferreira

(Texto publicado na Revista Água da Fonte (Academia Passo-Fundense de Letras) em abril de 2006)

                                    

        Quem se preparou para a chegada do novo ano com mil sonhos na cabeça, projetos e contas devidamente estudadas e colocadas na ponta do lápis, sequer imaginava que este seria um ano atípico, fora dos tradicionais padrões de todo e qualquer planejamento individual ou familiar. Ouviu-se as primeiras notícias a respeito de um vírus que estava matando algumas pessoas na China mas não parecia algo tão relevante assim a ponto de causar maiores preocupações ao resto do mundo, uma vez que volta e meia aparecem doenças aqui e acolá, facilmente contornadas com o uso de medicamentos específicos para cada caso. O que não se esperava é que o contágio fosse tão rápido de pessoa para pessoa e que o número de mortos triplicasse em tão pouco tempo, ganhando terreno em outros países como a Coreia e o Irã. E, de repente, se estendesse à Itália de maneira absurda, quase impossível de controlar. E, assim foi se disseminando pelos continentes, atingindo países como a Espanha, a França, a Alemanha, os Estados Unidos, Brasil, Moçambique e por aí afora... Generalizou-se de tal modo e rapidamente que a ficha parece ter caído para a maioria das pessoas nos últimos dias e para os mais atentos, nas últimas semanas, causando pânico e correria desenfreada aos supermercados e farmácias para se abastecerem de mantimentos não perecíveis, sob o temor de que o pior aconteça. E, de fato, já está acontecendo... Em torno de 12 mil seres humanos já pereceram, em questão de dois ou três meses, desse mal que se alastra vertiginosamente sobre a Terra. A China, ao que tudo indica, parece já ter começado a apresentar  um certo tipo de controle sobre o vírus, tomando medidas drásticas que estão sendo copiadas pelas outras nações.

        O Covid-19 está sendo analisado às pressas pelos profissionais da saúde em busca da cura ou de, pelo menos, uma vacina para proteger as pessoas mais idosas e debilitadas que fazem parte do grande grupo de risco. Até agora, os mais atingidos apresentavam, além da idade avançada, problemas relacionados ao diabetes, pressão alta e doenças coronarianas. Os sintomas são de gripe, com febre, coriza e dificuldade respiratória. Muito fácil de se confundir com um resfriado comum no início mas, quando feito o diagnóstico correto, os pulmões já podem estar em estado lastimável para tratamento. Esses quadros mais graves são levados imediatamente para hospitais onde são entubados, a fim de tentar reverter a situação por demais desesperadora.

        O pânico se instalou no planeta Terra. Muita gente morrendo. Fronteiras sendo fechadas em toda parte. Cidades ilhadas. Pessoas reclusas em suas casas, sem perspectiva de, tão cedo, poder voltar à vida normal. E, assim, recolhidas entre quatro paredes, passam a ver os seus sonhos se desfazendo à medida em que tentam entender a velocidade com que tudo está ruindo a sua volta.  E, percebem que estão fazendo parte de uma guerra mundial onde nenhum país do mundo está livre de participar contra esse maldito vírus, o inimigo invisível de todas as nações. E, assim, vão percebendo que tudo está mudando... Entes queridos em lugares onde é o foco dessa doença insana, sem poderem voltar para casa e correndo todo tipo de risco ao ficarem distantes de suas famílias... Universidades fechadas para aqueles que lutaram tanto em busca de uma bolsa de estudos a fim de se aperfeiçoarem no Exterior... Voos cancelados, aeroportos fechados, lojas impedidas de abrir, empresários desconcertados, funcionários temerosos de perder o seu ganha-pão, médicos tendo que escolher entre os pacientes aquele que deve ter maiores chances de sobrevivência porque não existe aparelhos suficientes para todos... Esta é a realidade que se está vivendo no momento. E não é algo que se conserte de um dia para o outro. Serão muitos meses de tensão até que tudo se resolva. A questão agora é a luta pela sobrevivência. Tudo o mais deixou de ser importante em meio a este caos social e econômico pelo qual passa a humanidade.

        Diante dessa pandemia, as pessoas já estão começando a perceber que, querendo ou não, terão que fazer uma mudança nos seus planos de vida para este e para os próximos anos. Muitos jogos serão transferidos, olimpíadas adiadas, eleições canceladas, enfim, a população mundial terá que se ajustar a grandes atrasos nas suas pretensas realizações futuras. O ser humano tem uma enorme capacidade de adaptação e com as múltiplas e dolorosas experiências que tem vivenciado nos últimos tempos saberá, mais uma vez, superar-se a si mesmo com toda a dignidade que lhe for possível e, em se superando a si mesmo, conseguirá superar com a solidariedade e compaixão entre os povos essa inglória crise humanitária.

   

                    Março /2020

MUDANÇA DE PLANOS

Elisabeth Souza Ferreira

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